Fui ao Bourbon Street meio desatento ver um certo grupo que “mistura jazz com hip-hop”. Não sei quem falou isso, mas essa fórmula já seria motivo suficiente para não sair de casa. Bom, ingresso na mão, vamos lá. Assistir a um show sem ter menor noção do que se trata pode ser uma experiência única.
Devidamente instalado no andar superior da baulhenta casa de jazz em Moema, eis que surgem três branquelos, acomodando-se em meio a uma zona de teclados de todos os tipos e de uma bateria pequininha repleta de badulaques percussivos que fariam Naná Vasconcellos repensar toda sua obra.
“Além dessa babaquice de misturar jazz com hip-hop os caras ainda são brancos!”. Nesse momento, o baterista, um moleque com cara de grunge politicamente correto (ainda existe isso?) martela um improvável solo introdutório, criando o clima para a entrada alucinada do tecladista, escondido entre as teclas e botões em que se meteu. Uma espécie de catarse aleatória toma o ambiente. E vem o baixista magrelão, numa vestimenta digna de uma promoção da Colombo, repetindo uma base, a tal que mistura jazz com hip-hop. “Pronto, agora esses caras vão ficar repetindo esses clichês moderninhos e dizer que tocam jazz.”
Aí, meus amigos, eu digo, por vezes a ignorância compensa.
Essa banda que até ontem nem sabia da existência e cujo nome eu só fui saber no final, despejou uma hectabombe de sons vibrante e sofisticada que me fez parecer uma criança descobrindo um brinquedo novo.
Apenas um comentário: as linhas melódicas são simples, como supunha, vindas da tal influência de hip-hop. Mas a banda permite que elas se convertam em estruturas complexas, verdadeiramente musicais. Mesmo os temas clássicos que eles aboradaram, ressoavam na memória pela profusão de notas e improvisos fascinantes. A música não acontece, ela se insinua, é um vir a ser. Nada mais atual do que a iminiência.
A ponte com o show de Wayne Shorter no auditório do Ibirapuera é evidente. Da mesma maneira, aquela música se encontrava e desencontrava, E se encontrava novamente, transportando para ambientes sonoros inusitados. No caso de Shorter, negra e suingada. No show de ontem, o mais puro jazz de branco. Quadrado, retilíneo. Envolvente e instigantemente confuso.
PS. o nome da banda é Medenski, Martin & Wood.