Paulo Betti hoje (05/09) na Folha defende-se do que considera o tradicional “linchamento público”. Argumenta que fez um complemento infeliz a uma frase solta, e arremata sua defesa com o não menos tradicional “tirada do contexto”. A frase solta seria ”não se faz política sem sujar as mãos”. E o complemento seria “sem pôr a mão na merda”. Acho a segunda frase melhor, porque mais direta. Se ele acha isso, que seja com a mão suja de merda. Betti então passa a repetir o discurso oficial: todos são iguais, todas as campanhas tem caixa dois, a culpa é do sistema político.
E emenda dizendo que a crítica é autoritária porque desqualifica os que não se alinham ao pensamento dominate.
Ora, quem está alinhado ao pensamento dominante, cara-pálida?
Os artistas entre os quais Betti se encontrava, saiam da casa de um ministro de estado, de um jantar em apoio a um presidente favoritissímo na corrida pela reeleição, cujo governo caracteriza-se pela ortodoxia econômica e pela, digamos, “flexibilidade ética” de suas alianças.
Nada mais alinhado ao pensamento dominante.
Não satisfeito, Paulo Betti continua, sustentando que são oportunistas os que exploram politicamente sua condição de artista. Ele pode explorar sua condição de artista em favor do que bem entender. Mas deve assumir o ônus disso. Para um artista transgressões mais do que inevitáveis, são bem-vindas. Para um político, são sempre condenáveis. Não quer por a mão na merda, não seja político, tampouco use seu prestígio de artista.
O intrigante é como a tese do “todo mundo é igual” no limite, uma versão petista do “rouba, mas faz” foi aceita com alívio por petistas tradicionais. Como se o contrangimento com a crise ética finalmente encontrasse um sólido refresco. E, de barriga cheia, ponhamos todos a mão na merda.
Não, obrigado.
PS. No seu artigo, Paulo Betti só fez bem em lembrar os dois primeiros versos do Poema em Linha Reta de Álvaro de Campos. Publico-o aqui na íntegra.
Poema em Linha Reta
Álvaro de Campos
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.