Um amigo estrangeiro, vivendo no Brasil, ironiza a destreza com que os brasileiros discutem as aptidões – ou não – das empregadas domésticas. É um assunto cativante em qualquer mesa de jantar burquesa e demais adjacências. Na Folha de ontem (6/04), um artigo da psicanalista Anna Veronica Mautner discorre sobre essas “não-pessoas”. Serviçais subalternos que atendem aos desejos da classe alta e (re)média(dos) e virtualmente são incapazes de entender as nuances da vida privada de seus senhores.
Até que aparecem os Francelinos, Karinas e Franciscos dizendo “meninos, eu vi”.
É uma revanche das “não-pessoas”. Até então, elas só abandonavam essa condição, quando sorrateiramente desviavam um troquinho do supermercado ou, quem sabe, deixavam pistas de terem usado a cama da patroa em sua ausência. A transgressão máxima que essas mentes ignorantes poderiam tramar. Citando Anna, “lorota boa!(…) Já é corriqueiro passar sem olhar para pessoas dormindo ou descansando nas ruas. A relação íntima do mandante com o mandado, quando contém desdém, é crime, ou pecado, se preferirem, mas sempre muito forte. Quando, estando a um metro de distância, uma pessoa não é percebida, ela está sendo roubada de sua essência e de sua alma.”
Se, num acaso improvável, esse país tornar-se justo, como farão os patrões e patroas para manter suas casas e edifícios em ordem? Uma justa inversão da relação de dependência de Lucky e Pozzo e golpe fatal numa das “delícias” de ser brasileiro.