A mosca do conhecimento

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Os dois principais diários paulistanos disputam na TV quem tem a campanha publicitária mais constrangedora. Sinal dos tempos. Está, literalmente, cada vez mais difícil vender jornal. Não faz muito o Estadão fazia graça com a “cara de conteúdo” e, bem antes, a Folha ganhava prêmios com o clássico reclame do Hitler.

As duas campanhas hoje no ar, no final, são para recuperar antigos leitores. Os novos, esses não existirão. Os grandes jornais não aproveitaram a ascenção da classe baixa ao consumo pós-real e pré-sal. É o ex-leitor, então, o convidado a um raciocínio torto. O que se vê, em boa medida, é a alardeada falta de rumo dos jornais impressos.

O valor do conhecimento
A velha e boa assinatura, supostamente garantia da ligação de credibilidade e hábito do jornal com seus leitores, é a motivação da campanha do Estadão.  Sem entrar no mérito do truque barato da promoção – compre cinco e leve seis – travestido de opção consciente, o mote dos anúncios, portentoso como se pretende o anunciante, divaga sobre o “valor do conhecimento”.

Vá lá. No mundo onde a informação flui gratuitamente e assinar jornais passa a ser cousa de outrora, a pergunta em si é pertinente. Informação não é conhecimento como reverberava o grande Frank Zappa. Tampouco são os jornais. Qualquer que seja o resultado prático da campanha, não é sustentável porque repete um dos erros que levaram a queda de vendas dos jornais. O maior dos equivocos é a compreensão errada de um problema. Tentar um truque velho – a promoção do primeiro mês grátis – com uma roupagem, digamos, de seriedade, chega a ser tosco. O leitor XXI, cheio de opções, é menos afeito a ser levado no bico.

Toca Raul
A Folha coloca na boca de seus principais articulistas uma velha canção de Raul. Eu sou a mosca que pousou na sua sopa. Quer significar que o jornal incomoda, talvez pela independência, talvez os poderosos. Talvez. Anúncio não vem com bula. Se é essa a intenção, a força negativa da mensagem, a imagem de uma mosca circulando, talvez, fezes e pousando na sua sopa, confunde e constrange o leitor amigo. De certo modo, a Folha está reafirmando a inutilidade de uma assinatura de jornal, diretamente proporcional a irritação que seus articulistas repetitivos causa nos leitores.

Raul era divertido e polemista. Queria zunir seu rock baiano no ouvido, sei lá, da ditadura, branda para alguns. A Folha que zunir na cabeça de quem?

Moscas unidas jamais serão vencidas
Uma recente pesquisa – não me recordo onde a vi – apontou uma tendência entre leitores de blogues e fóruns de notícia, a procurar informações dentro de um mesmo perfil ideológico. Se num primeiro momento a profusão de visões oferecidas na rede, onde há de tudo para todos, sugeria uma balanceamento do bias, o conforto prometido pela ausência de conflito de opiniões parece prevalecer. Será esse um comportamento demasiado humano? Ou demasiado mosca.