A memória e a máquina de escrever

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O mordomo argentino Santiago Merlo era um copista. Escrevia compêndios sobre aristocracias de todos os tempos, mundo afora. Incríveis trinta mil páginas organizadas e fichadas com o esmero de sua Remington. Máquinas de escrever deixam as palavras bonitas. A tinta vai se acabando, os tipos gastos vão pouco a pouco deformando as letras. A tosca correção dos erros de digitação sugere quase um palimpsesto. Ou um simples lapso. Numa máquina de escrever, tudo é memória.

“Santiago”, de João Moreira Salles, é um documentário doméstico. Nos aproxima de relações intimas reconstruídas pela memória. O reencontro do diretor com seu passado não tão distante. Com o filme deixado para trás e seu material bruto. O reencontro do mordomo com o filho de seus patrões, numa tangência de Lucky e Pozzo. O reencontro de Santiago com os personagens que copiou a vida inteira. E porque não, com os personagens da família a quem se dedicou por 30 anos, como se eles fossem seus próprios personagens.

Os planos são estranhos. “Rígidos”, acho que foi isso que ele disse. Em primeiro plano, o trinco da porta fora de foco, ao fundo, sentado, o mordomo Santiago gesticula em latim ou espanhol. Cada take, repetido como um exercício de datilógrafo. Ou um mergulho nos papéis amarelados do velho serviçal. Os closes das palavras, dos nomes em linguas diversas. Um comentário fora da pauta. “Santiago” parece ter sido escrito à máquina.

Ouça a Melodia da Ópera De Orfeu E Eurídice, de Gluck por Nelson Freire que abre o filme Santiago e foi extraída do documentário de Salles sobre o pianista.

Melodia

E no link abaixo veja a mesma Melodia ao violino do grande Jascha Heifetz.

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