A Folha de domingo (07/08) traz a tradução de um texto do Financial Times sobre George Soros, o megainvestidor conhecido, entre outras peripécias, por ter feito um bilhão de doláres num único dia especulando contra a libra esterlina. Convertido em filantropo, Soros, florescido na globalização, alega ser a pessoa mais qualificada a criticar o capitalismo e despacha “é um alívio não depender do mercado”, título da versão brasileira do artigo. A figura de Soros me lembra o personagem central do exercício de retórica construído por Fernando Pessoa em “O Banqueiro Anarquista”
O Banqueiro Anarquista (1922) foi o único texto em prosa publicado por Pessoa em vida. No Brasil há uma co-edição Cultrix/Edusp, organizada por Massaud Moysés, que traz entre outras prosas, a peça teatral “O Marinheiro”.
Fernando Pessoa sempre despertou polêmica entre intelectuais de esquerda com sua visão liberal da economia e da política. Seu personagem banqueiro parece ser a voz do autor, razão pela qual o texto, além de pouco conhecido, foi muito criticado ao longo do século XX.
O texto de Pessoa é um fantástico exercício de retórica. Desafiado a explicar seu passado anarquista, o banqueiro reafirma suas convicções libertárias, sustentando que suas teorias estão em total conformidade com sua prática “comercial e bancária”. A certa altura ele diz: (…) ganhei muito dinheiro por fim. Não olhei a processos – confesso-lhe, meu amigo, que não olhei a processos; empreguei tudo qanto há – o açambarcamento, o sofisma financeiro, a própria concorrência desleal. O quê?! Eu combatia as ficções sociais, imorais e antinaturais por excelência, e havia de olhar a processos?!”. Soros, a seu turno, explicando sua fuga do Nazismo e a influência de seu pai na sua formação e sucesso com investidor, não hesita em relatar a cena em que o viu obter documentos falsos. Diz Soros “aprendi que há momentos em que regras normais não se aplicam.” Em ambos há a percepção de que a liberdade individual sobrepõe-se à liberdade coletiva e não é ela quem produz a tirania.
Soros, influenciado por Karl Popper, seu professor na London School of Economics, abraçou a idéia de uma “sociedade aberta” em contraposição ao totalitarismo, ainda que passível de arcar com erros individuais, próprios da humanidade. O banqueiro de Pessoa afirma que “pelo processo que descobri que era o único processo anarquista, cada um te que libertar a si próprio. Eu libertei a mim.”
Para Soros e o banqueiro do conto de Fernando Pessoa, o paradoxal é um recurso da “missão civilizadora” de uma revolução nos hábitos de pensar, para vencer a estagnação, a mesmice.
O texto original do artigo de Daniel Dombey, vem com o título “O lapso de 1 bilhão de doláres”, uma referência ao fato de Soros ao ser perguntado sobre a quarta-feira negra, em 1992, quando apostou contra a libra: Foi uma quarta? Acho que foi uma quinta, não?